Memories

"Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido."

Published by 「ϻȝƚɋɣαɦȡ 」 under on 10:04:00




Dou-te meus álgidos beijos de tristeza...
Os sentes? Tocam-te a face angelical,
A suavemente deslizar por teu informal
Semblante de mais pura beleza.

O espelho é, por vezes, destro mentiroso.
Seu contemplar preenche-me a atenção
De asco em célere ascensão.
Percebes? Seu rosto, formoso,

Delicado e gentil, de meigo olhar,
Presta-nos a sensação do mais doce amar.
Os meus olhos, no entanto,

De aversão cheios
- Perdidos nos mais incoerentes enleios -,
Entristecem-me tanto, tanto!...


Published by 「ϻȝƚɋɣαɦȡ 」 under on 00:19:00


É uma noite agradável. A luz da esbranquiçada Lua faz com que as nuvens adquiram tons de azul-escuro gris. A brisa, suave, acaricia a copa das árvores e faz remexer as folhas. O ar é gélido – embora nossa pele nada sinta, podemo-lo deduzir por causa das folhas... De vez em quando, avistamos uma ou outra pessoa a vagar pelas ruas por estas horas da noite, ainda mais em um lugar como este – afinal, caminhar próximo a um cemitério, na quase antemanhã, é algo de que todos os seres humanos em plena consciência têm medo.
Os portões da necrópole não estão inteiramente fechados – o cadeado está disposto no chão próximo a umas latas de cerveja, a grossa corrente junto dele. Pensamos, então, que alguns adolescentes bêbados pudessem estar em busca de sombria diversão, talvez alguma obscura orgia – ou, quem sabe, umas daquelas brincadeiras as quais eles gostam de fazer em lugares e horários como este, tais como a do “compasso”, a do “copo”, e estas coisas todas em que eles acreditam sem crer. O que um pouco mais de álcool no organismo não faz a estes seres tão tolos que são os humanos?
-No fim, eles são-nos bem convenientes, meu querido. Minha sede ainda está insaciada. – diz-me minha amada Emilly, seus olhos a brilharem, faiscantes; podia perceber neles o interminável desejo de adentrar ao cemitério para... Mitigarmo-nos.
Fito-lhe a altura dos olhos com um olhar complacente. Estendo-lhe minha mão, a esperar pela sua. Ela põe a sua sobre a minha, e então, em passos síncronos, vagarosos, caminhamos cemitério adentro. Uma luz clara emana das tumbas, resquícios dos seres outrora viventes quais agora na eternidade de profunda treva repousam. Soubessem eles que o céu nem o cristão inferno existem, qual seria o rumo de suas vidas? Oh, que adormeçam para sempre no antro de sua geratriz, a terra. “Não pesaste sobre a terra. Que a terra te seja leve.”, diria meu amigo de tempos idos.
-Querida, talvez possamos antes divertimo-nos um pouco? – meus lábios a esboçarem um sorriso repleto de malícia. Há já muito tempo que não me divirto com minhas presas. É sempre bom fugir um pouco ao hábito – se é que se pode chamar meu modo de existir de... “hábito”.

Published by 「ϻȝƚɋɣαɦȡ 」 under on 00:08:00



Percebi, constrangida, que seus olhos erguiam-se à altura dos meus. Fixava-os. Eles são grandes, de cor violácea, belos – os mais puros que algum dia eu já vi, embora parecessem, no momento, repletos de um sentimento de cautela.
Sentia meu corpo estático a estremecer, como se todas as minhas células vibrassem com sua presença. Por que sempre me observava de modo tão penetrante? Pergunta esta qual algo – que não a curiosidade - me impelia a desejar descobrir; minha enorme timidez, no entanto, não permitia que não se passasse de desejo. Enrubesço-me, e sinto-me coagida por assim estar. Seu rosto possui forma angelical – diria até que é mais belo do que a face de um anjo o mais belo; seus lábios, lascivos, em minha imaginação aos meus atraem de forma inimaginável; seus olhos possuem uma profundidade que, como já disse, jamais experimentei em ser algum; seu porte é elegante, suave; seus modos são de extrema gentileza – e sutileza. Ele é, em verdade, o garoto ideal para toda e qualquer mulher.
Que enorme atenção é esta que ele parece ter somente por mim? Quem, ou o que, é ele afinal?



# Pieces

Published by 「ϻȝƚɋɣαɦȡ 」 under on 00:34:00


de todas as infindáveis eras, expostas em da luz infinita a claridade,
eu, sem piedade, oh! fui jogado aos da verdade os famintos vermes...
atiraram-me a terra enquanto podia sentir, e sentia, então, minha respiração
a de mim lentamente fugir, esvaindo-se para fora do corpo - agora dormente, gélido e sem vida...


minhas asas, retiradas e devoradas como a um insano banquete devoram os deuses da malevolência..
os meus olhos ñ mais brilham, meus passos não tem destino...
oh, crueldade e a besta! oh, que sou eu a infernal aparição demoníaca!

"assim como o sol nascente reflete minha dor" ¹

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¹ trecho da música "reversio ad secessum", da Draconian.

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o cortante frio faz-se adentrar
pelas frestas d'alma.. regela-nos.
será justo ao ser sentir a morte,
traiçoeira e vil, a vagarosamente aproximar-se
pelas sombras bailantes?
deverei permitir que adentre neste antro escuro e frio,
onde reina a podridão, seu rei a brandir o asqueroso cetro
das volúpias mais infernalmente tenras?...
a carne, se exposta à luz, reflete os limites da matéria.
se somos tão notoriamente falhos, por que então viver?
para superarmo-nos e sermos além de nós mesmos, eu digo!
que venha a morte, com seus doze repugnantes fantasmas,
e eu expulsá-los-ei com o poder da escuridão em uma mão,
e um tryfot na outra.
que venham, aguardo-vos!

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sobre os olhos caem-me pesadas gotas da torrencial chuva. estas ferem-nos; sinto um gélido ar a adentrar em meus pulmões - o que, de uma estranha forma, faz com que sinta-me muitíssimo bem. a temperatura de meu corpo envolta pelo mais frio dos cristais, o gelo. a alma, a minha outrora tão delicada alma, imperceptivelmente afunda-se cada vez mais na ensangüentada lama deste profundo poço. posso quase sentir o pêndulo a vagarosamente descer... "chego a desejar que ele me atinja"
esta efêmera existência passa-se ante meus olhos como um filme em preto e branco sem sentido... vejo-me através de meus próprios olhos, e percebo então que nada fui e sou... eternas contradições! serei, por fim? o quê?

condensaram-se as horas.. fui, sou!


Published by 「ϻȝƚɋɣαɦȡ 」 under on 10:21:00



Dentro de mim este monstro faz habitar,
Das trevas uma horrenda criatura..
Da bondade uma belíssima máscara sua face esconde.
Convida-me a uma dança.. Eu aceito.
Por longos anos, dançamos..

Ah! Soubesse eu, antes, como seria com ele dançar!..
Jamais teria aceito!...
Sinto queimar-se a carne minha como se envolta pelas
Infernais chamas estivesse... Sou por ele aos famintos corvos atirado...
Corvos estes quais a alma devoram-me..

(..)

!contradiçõeS
Do tempestuoso estar a respirar, árduas lições;
Por sua mascarada face dados, os mais obscuros sermões.
“Sentir o ar.. Viver, viver - e nada mais!
Ânimo! Desejo.. É preciso a 'vontade de fogo';
Faz-se necessário que à tu'alma a vida soprada seja.
Bom viandante das abismais fendas, que fazes aqui?
Não percebes?.. Este não é o teu lugar! Cá, apenas as sombras lhe aguardam.
Oh, não, não, este, certamente, não é o teu lugar. Por que te espelhas neste mundo?
O reino de escuridão a ti não pertence.. Su'alma outras esferas têm de as habitar o desejo.
Moço de minha outra face, meu outro Eu.. Oh, por favor, os segundos findam-se!..
Vai-te, e não tornes a aqui estar!
Vai-te!”

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Dedicado a um ser especial :

Published by 「ϻȝƚɋɣαɦȡ 」 under on 11:01:00


Ela:

Entre as ausências postas nos espaços do tempo, reverbera dentro de todo meu ser um gritante desejo; “És forte”, dizem-me alguns. Que sabem de mim, senão o que lhes deixo perceber?
Sou frágil como o mais fino cristal que a uma leve brisa vibra, e sou forte como a origem de tal brisa: tempestuoso bater de asas. Sou eu e tenho dentro de mim um antagonismo ao meu próprio ser: passo a existir como quem não existe; sou quem não pode ser; a que não é vista, nem percebida – tudo por eu mesma, no vértice de minha essência. Minha essência, oh! E o que dela verte, senão os mais tímidos desejos suprimidos? Desejos de criança, inocentes, imaculados; e a ela também, bem o sei, vertem-se desejos alheios: por alguns poucos posso me sentir bem-amada. Se bem que, afinal, que é o amor?

Ele:

Oh! Que assombrosa dúvida, q’rid’amiga, sobre o imo lhe pesa! Retira de ti este pesar, limpa o teu ser de todo alquímico pó da natureza às controversas.
O amor, se a mim permites expor o que penso sobre, é um sentimento de doação; Percebas, não se pode amar se pensa-se em si mesmo com egoísta sentir: não se deve q’rer estar com alguém por sentirmo-nos bem com este, tão unicamente – mas sim sentirmo-nos bem em fazer bem a esta pessoa – um desejar-nos bons sentimentos através do bom sentir da amada pessoa, sem sermos, no entanto, egoístas. Em verdade é uma reação da ação que traduz o amar. É ser a razão de alegrias desta pessoa, sem ser, contudo, a única: sua liberdade para voar é o que de mais precioso se lhe pode oferecer quem a ame.

Ela:

Estás certo, talvez, meu querido, mas os teus sentimentos aos meus divergem-se; quero dizer, por vezes a logos está sobre meu coração; ensina-me a pensar com o coração, a sentir com a razão.

Ele:

Ensino, com todo o demasiado prazer de estar a tua presença. Que suas ausências preencham-se de tua própria essência; a sede pelo novo lhe seja saciada através de tua incansável busca por tal; parte, sim, parte rumo ao feroz destino de um viandante das estrelas: busca na imensidão do universo o elixir para tua sempiterna existência. E, no entanto, estarás para todo o incontável tempo que cabe a uma eternidade – dentro do íntimo meu, nos mais profundos espaços de meu coração: do desconhecido ao perfeitamente sabível, és em mim. Sua existência traz-me alegrias; dou por ti a respiração de meu corpo. Rufemos as asas, de par em par... Diria Alphonsus! Subamos ao céu, desçamos ao mar... Partamos, partamos! Pois o mundo para nós já não é necessário, está realizado o que incumbidos fomos a fazer. Libertam-se nossas almas destas velhas carcaças, pobre material orgânico que gera o direito a luxúria - mais diria, o indesejado sentimento de luxúria – em algumas ocasiões - - e, no ventre da mãe Terra, haverá de perecer e nova beleza gerar: dar alento as flores campestres, quais a primaveril aragem sopra existência, ateia história!
Sim, partamos rumo ao infinito! Sejamos o infinito!
Dá-me, minha querida, as tuas mãos. Permite-me segurar-lhas enquanto voamos a altitudes nunca d’antes experimentas pelo humano ser. Como é tão mais bela a vista de cá! Como tudo é novo!

Quem narra o que algum dia ouvira de sua avó:

{ Fecham-se num forte laço, das alegrias maiores o afável abraço. Seus corpos, entre lágrimas de pureza, perecem, acalentam a terra, geram vida; suas almas, ah! Estas desconheço onde estejam, mas, onde quer que seja, estarão a voar em plena liberdade... Para sempre na eterna novidade. São seres livres! }



Para minha filha Mayara:

Published by 「ϻȝƚɋɣαɦȡ 」 under on 20:44:00



Uma moça eu conheci que do real abstém-se para no vasto universo do sonhar adentrar;
Jovial, alegre e de presença extasiante,
Faz-me de, dum Tchaikovsky a suave melodia, sempiterno amante:
Romeu e Julieta no esquife reviram-se à de sua sensibilidade o vibrar,

Em notas que uma monocromática escala elas formam.
Desta agradável moça tornei-me amigo,
E desde então em meu coração a carrego comigo;
Por vezes, seus olhos magoados se tornam

- Sempre belos, no entanto!
E se se permite desfalecer em lúgubre pranto,
Desejo eu num abraço devolver-lhe do júbilo o encanto.

{...}

Dança ao luar, abraçada aos ventos,
Sente do amar os ternos acalentos;
Em seu peito habita os sentimentos mais meigamente opulentos.

E pelos campos do imaginar,
Solitária – minto: pela vida embalada -, vaga...
Passa suas delicadas mãos pelas mais belas flores...

Dos mais suaves aromas constitui-se sua essência; amar!
Sentimento este que cura a mais cruenta chaga...
Envolve-se ela na mais bela dedicação de todos os amores.

Um místico ser de Luz, tradução da esperança.


Published by 「ϻȝƚɋɣαɦȡ 」 under on 16:39:00


De estender-se no celeste chão, da escuridão o manto, inicia-se o rito.

Contudo regozija-se ainda, com a da Luz e Treva a batalha, o firmamento:
De tons não claros, nem escuros tinge-se. Nem mesmo de Morfeu o grito
Deu ao intenso dia um ferino acalento.

---

Pego-me no de carvalhos talhado o parapeito da velha janela;
Em meio a suspiros, e ao amor entoadas canções,
Brilham as estrelas com maior intensidade; a Lua, dela
- antes, de seu transbordante mistério – preenchem-se dos poetas os corações;
Corujas permitem-se ser vistas, imponentes – seus grandes olhos ao infinito a fitar...
Do rio de fantasia as cristalinas lágrimas provém o som
Do vazio a ser preenchido pela virtude. Um rouxinol a cantar
Deleita-nos a alma – que imenso dom!
E absolutamente tudo neste momento é alegria:
Da pequenina gota de orvalho ao céu magno, bucólico,
Dimana a força das tempestades; a encantar-nos, Sofia
Líricos cânticos sussurra, quais a nossos ouvidos chegam através do eólico...

( ... )

Derradeiro Momento

Published by 「ϻȝƚɋɣαɦȡ 」 under on 00:04:00



De nosso jardim vem até o quarto um denso aroma de flores variadas - este mesmo aroma que incontáveis vezes muito nos felicitou enquanto deliciávamos um ao outro com nossos poemas de amor, faz-nos neste momento de uma tristeza tal que nosso coração chora e nossa alma queda-se em intenso silêncio. Não se faz necessário que seja uma única palavra dita para que percebamos ambos que assim nos sentimos. Estou sentado à beira de nossa cama – ela, deitada debaixo de espessos cobertores -, a segurar-lhe a mão – sua pele delicadamente macia, como sempre o fora – enquanto leio para si algumas odes dedicadas. Ela ouve atentamente, seus belos olhos com a mesma expressão de ternura que sempre tivera. Ela é, em verdade, uma criatura amável. Adoram-lhe todos: vêm-na visitar muitos nossos amigos a vários horários do dia. Bem... Terminada a leitura, seus olhos marejam-se e também os meus: sentimo-nos ambos profundamente sensíveis. Estamo-lo realmente – quero dizer, mais do que habitualmente somos. Passamos longos minutos a olharmo-nos a altura dos olhos, como se confidenciássemos um ao outro algo que nunca d’antes, em todo este tempo, havíamo-lo feito.


{...}


Quando o velho relógio ao silêncio quebrara a badalar dezoito intensas vezes, percebo seu olhar a fitar o vazio – ela sente o peso do tempo. Está distante, como que a divagar sobre tudo o que se passa. Encontra-se aberta a janela e, do lado de fora – ouvimos -, cantam os pássaros canções mais tristes; o vento às folhas das árvores sussurra, e estas – podemos também ver, pois a cortina fora retirada de modo ao quarto adentre mais ar e ele possa estar mais arejado – dançam em movimentos suaves, porém profundamente melancólicos; as nuvens estão escuras, carregadas de um Sentir muitíssimo triste – carregadas com as lágrimas de eternos amantes; o Sol esconde-se por detrás delas, sem deixar, contudo, de lançar ao parapeito de nossa janela – local de sonhos, lembranças... De muitos de nossos íntimos devaneios - um pequenino feixe de luz. Intensificara-se no ambiente o aroma das flores. Um aroma que, sabemo-lo, ela nunca mais tornará a sentir. Minha Amie, minha querida Amie, está a morrer.


{...}

Published by 「ϻȝƚɋɣαɦȡ 」 under on 00:32:00
Observava as estrelas. Sentia sua luz pulsante dentro dele; seu atraente – de uma forma não meramente atrativa, mas como força gravitacional ao inverso - cintilar, seus contornos quase invisíveis aos olhos desatentos, o simbolismo que representa para algumas pessoas; estas sensações faziam-se pulsar dentro de seu âmago em uma pequeníssima fração de segundo – segundo este que se estendia a assemelhar-se a toda uma era de período sem igual. Podia sentir o peso e, ao tempo mesmo, a intangível leveza das coisas.

Estava introspectivo, absorto em sua admiração às estrelas quando percebera no ambiente uma nova presença, diferente de todas que já houvesse sentido. Realmente sabia que não se tratava de uma presença comum, porquanto não se lembrasse de uma única vez em que alguém ou algo lhe houvesse retirado de sua não-percepção - ou seja, enquanto monologava com sua própria alma, nada se lhe fazia perceptível. Mesmo sem movimentar sua cabeça – estava ele deitado sobre um banco, os olhos vidrados na abóbada celeste -, podia-a quase ver. Sabia que era belíssima, estava convencido disto. Cá não se fala da beleza corporal, esta efemeridade mundana que destrói amores a convertê-los em paixão; que dá aos homens a egoísta capacidade de matarem-se uns aos outros; que já fora força motriz de sanguinária guerra; enfim, não, não é deste tipo de beleza que se fala – mas sim da íntima, do puro e verdadeiro encanto. E ele sentia-o: sua grandiosidade era espantosa. Uma simples presença física ou, enganara-se em pensá-lo – pois não é uma, mas a - simples presença física desta pessoa brilhava com maior intensidade do que as estrelas que há pouco ele muito admirava. Contudo, podia-o sentir também, ela estava agitada, um pouco desesperada – ela como mulher, não como presença - sentia o delicioso aroma de sua fragrância. Esta mulher intrigara-o de uma forma tal que nunca ser humano algum pudera fazê-lo. Sentia que ela diferente, que podia sentir tanto – senão mais, infinitamente mais – do que ele. Então, num singular momento em qual não houve a intenção de fazê-la espantar-se, porém fizera-o, lhe disse:

- Bailava com o vento enquanto eu a observava. Agora sinto o movimento enquanto me observas.

Sorrira gentilmente, como se a pedir desculpas pelo espanto que causara. Ela parecia pensar que ele não a havia percebido. Então lhe retribui o sorriso; os olhos dele brilham - um brilho o qual reflete a luz que dela emana. Calmamente, ele faz girar seu pescoço para podê-la observar. Como era bela! Sim, não apenas seu íntimo, todavia também seu corpo fazia-se como um desenho feito por uma mente divinamente inspirada. Os contornos de seu rosto, seus grandes e belos olhos, seus lábios lascivos – tudo nela o atraía. Porém que não se enganem os que me lêem! O que ele sentia estava para muito além da compreensão de qualquer um de nós. Ele a amava. Sentia-o, estava muito compreensível – e além da compreensão - para si. Permanecera a observá-la em silêncio – ela podia compreendê-lo, compreender sua alma e seu silêncio. Ele queria entregá-la sua alma, seu corpo – ser inteiramente seu. Cá, que novamente não se enganem: medo algum de fazê-lo ele possuía. Esperava apenas. Corrijo-me: sentia-a apenas. O tempo passara a inexistir. O céu, as estrelas fizeram-se descer a Terra para venerar a alma a qual ele amava – contudo por ela ser deveras especial. Todo o universo prostrava-se perante sua presença. Pelo menos todo o seu universo, o dele. Faziam-se audível no ambiente, sons líricos – harpas, violinos e pianos majestosamente versados – como se anjos os estivessem a tocar; a branda brisa noturna fazia esvoaçar os cabelos dela, e a cada imagem percebida seus olhos mais e mais brilhavam; esta mesma brisa espalhava ainda mais o agradabilíssimo aroma que dela provinha, qual ele já pensava não ser apenas um perfume, mas algo natural de si.

{...}

Lentamente, com movimentos delicados, ele levantara-se e se fizera sentar no banco. Continuava a observá-la. Então, levantara-se e, a passos síncronos, lentamente caminhara até ela. Estavam agora muito próximos um do outro. Os olhos dele brilhavam com maior intensidade. Com um espanto por parte dela – novamente percebera-o -, ele, seus lábios próximos ao ouvido dela, sussurra-lhe:

- Danças comigo?

Podia sentir sua presença mais serena, sua agitação e desespero a esvaírem-se de si. Ela, tendo-lhe feito o mesmo – os lábios próximos ao ouvido dele - e, também, com um pequeno espanto despercebido e agradável por parte dele - -, sussurra-lhe:

- Claro.

Ela sorrira. Ele também. Então, abraçaram-se – este momento perdurará na eternidade. Cristalinas e rasas lágrimas marejavam aos olhos de ambos. Ele, a pensar: “é ela”. Ela, a pensar: “é ele”. Dançavam ao luar, ao som de uma romântica majestosa melodia. Os silfos pareciam acompanhar-lhes: era este um momento de encanto indescritível. Ele disse-lhe então, seus olhos à altura dos dela:

- Quero estar contigo por todo o tempo que não pode ser contado. Eu sinto que a amo. Não, não... Mais que isto, sei que a amo e que és a pessoa por quem sempre estive a espera. Minha alma já está presa a tua, ela sempre estivera e, por isto, neste momento, é tão livre quanto o significado maior e mais íntimo da palavra Liberdade, liberta de si mesma. Ficas comigo?

Ele absolutamente não sentia medo de a resposta ser negativa. Sabia que, ainda que o fosse, noite como esta jamais haveria outra e alma como aquela ele nunca mais tornaria a encontrar. Ela era a alma, a única alma que podia fazer a sua completa. E, fosse como fosse, estes poucos momentos terão valido toda a sua existência na perpetuidade. Sentir-se-ia eternamente grato.

{...}

Published by 「ϻȝƚɋɣαɦȡ 」 under on 00:20:00

Em todas as noites, quando ia passear ao parque, lá estava ela sentada debaixo do enorme carvalho. Pouca importância havia se as nuvens parecessem querer derramar lágrimas, ou se tempestades se quisessem aproximar – ela estava sempre lá. Em meus pensamentos e admiração, um singular mistério fazia-me inquirir a mim mesmo sobre o porquê disto. Pude perceber que sempre observava as pessoas, ou então escutava os grilos a cantar ou, ainda, o sussurrar das folhas quando o vento sopra. Gostava, também, de deitar-se de costas na macia grama e olhar para as estrelas. Ficava a assim admirá-las por muitos minutos. Mas isto é algo que vim a descobrir somente mais tarde, depois de conhecermo-nos.


Sentia-me encantado e fascinado. Sentia que ela podia sentir. Sabeis? – é algo complexo de se ter a explicar. Um sentimento enobrecido pela pureza da alma. Sentir verdadeiramente a íntima essência de todas as coisas. Muitas vezes ela me fazia perceber o quão bela pode uma existência ser, se a ela for dado o cabível e sensato destino. Sentava-me ao seu lado enquanto ela admirava, por exemplo, as estrelas: podia perceber em seus olhos um brilho diferente de todos os que eu já havia visto nos olhos de outras pessoas. Ela sentia a verdadeira natureza das estrelas. Podia - como eu muitas vezes quis junto dela partilhar deste sentimento – quase tocá-las; mais que isto, sentia-se parte delas.


Lembro-me bem, com incrível profundidade de particularidades, da primeira vez em que fui ter-lhe. Meu coração palpitava em êxtase bucólico, minhas mãos tremiam, meus pensamentos desenrolavam-se a emaranharem-se ainda mais; meus pés moviam meu corpo quase que automaticamente, pois, sinto vergonha em dizê-lo, minha coragem era pouca. Em verdade, se passava é que eu já a sentia amar. Compreendei-me, não era uma simples paixão, nem um amor passageiro – daquele existente entre amigos que, após a universidade, separam-se para jamais se tornarem a ver. Não. Meu sentimento era diferente, quase palpável. Latente em meu peito, quase se externava para fora de mim e tomava forma própria. Se o fizesse, gosto de imaginar, moldar-se-ia à forma de luz. Pois é assim que me sentia próximo a ela. Iluminado. Possuído por uma alegria, uma felicidade que não podem ser compreendidas em qualquer palavra de todos os idiomas. Podia até extrair de mim o melhor, e o queria fazer apenas para e por ela. Eu a amava.

Era uma noite em que as nuvens estavam coloridas pela claridade da Lua cheia; casais passeavam com as mãos juntas pelo parque; pequenos animais notívagos aproximavam-se do velho carvalho; havia uma branda brisa, com momentos de agitação. Ela, minha adorada, adornava-se com um vestido negro, suas longas madeixas igualmente negras davam-lhe um ar de meiguice e, ao mesmo tempo, mistério e sensualismo. Com a coragem – ou devo dizer a falta dela? – me aproximei e timidamente disse-lhe:


- Olá... Posso sentar-me ao teu lado?


Ela sorriu. Se houvesse algum resquício de dúvida sobre meu sentimento por ela, teria sido inteiramente sanado neste momento.


- Sim, claro que podes.


Então eu me sentei. Sentia exalar de si um perfume doce e delicado – era muito agradável. Ela era ainda mais bela quando observada de mais perto. Como percebesse que nada eu dissesse, disse-me:


- É uma bela noite, não? As estrelas nos sorriem...


Seus olhos possuíam um brilho natural que me encantava como encanta aos homens dos mares o canto das sereias.


- Sim, certamente... Deveras bela.


Sentia-me bobo próximo a ela.


- Que lhe traz cá, bom moço? – indagou-me, delicada e gentilmente.


Sentia minha garganta seca, minhas mãos tremeluzentes – efeito único do nervosismo. Contudo, ao mesmo tempo em que me sentia nervoso, o simples fato de sua presença acalmava-me de uma maneira tal que, se não fosse dizer-lhe as palavras seguintes, sentir-me-ia suave mesmo no dia do apocalíptico juízo final.


- Bem, é que... Hum... No fim, não é algo importante. Deixa estar.


Desfaleci. Sentia meus sonhos distantes, a baterem suas asas para cada vez mais longe... Minha cobardia me havia vencido.


- Não precisas temer tuas palavras... Embora possa parecer, não sou má. Liberta a tua alma sem receios.


Pouco ela me compreendia. Mas, passado algum tempo depois deste dia, percebi que ela fazia-o como ninguém. Disse-lhe, por fim, meus medos exorcizados por sua meiga voz:


- Bem, a verdade é que... Oh, eu a amo. Sim, não me conheces, sei que sou precipitado, mas a verdade, a única e pura verdade é que eu a amo. Meu coração tem-me incitado há dias para que eu o viesse abrir para a tua alma. Eu simplesmente sentia que devia abrir-me contigo – ainda que te espantes, e não possas compreender – eu compreenderei. Sequer o teu nome eu sei, como poderias compreender-me tu? Sinto-me um tolo...


- Oh, não te sintas. Gosto de sonhar, sabes? Sonho até mesmo acordada, o tempo todo. Minha vida, a minha verdadeira vida, é um sonho. Não caibo à realidade. E, num destes sonhos, lhe conheci. Sim, eu o conheço! Tu aparecias-me exatamente como fizeste agora, e declaravas o teu amor para mim. Eu sentia o mesmo que ti, e uma profunda paz de espírito possuía-nos... Então, nos abraçávamos profundamente, por longos minutos. Tu dizias amar-me, eu dizia amar-te. E é por isto que todas as noites espero-te cá, era noite em meu sonho.


Um espanto indescritível e doce possuíra-me neste momento. Pairava um silêncio que chegava a pesar... Foi quando, com olhos marejados de cristalinas lágrimas, a brilharem de vistosa alegria, ela disse-me:


- Eu te amo, Will.


Eu correspondi-lhe o amor, então nos abraçamos. O vento acariciava-nos a face com sua gentil brisa, a Lua brilhava mais intensamente; porém, tudo ao redor, neste momento, deixara de existir. Éramos ela e eu a pairar num suspenso chamado Eternidade. Eu a amei, amo e amarei mesmo para além do fim das eras. Seu nome, uma bênção... Uma querida princesa, habitante do íntimo mais belo de todos. Moramos na mais alta torre, no mais profundo dos oceanos.


Published by 「ϻȝƚɋɣαɦȡ 」 under on 00:03:00
Dos suaves campos das mais vermelhas rosas, a suave brisa de teu suspirar veio tocar-me o coração;
No mais singelo sorriso, no mais simples - e ao mesmo tempo profundo – proferir, no mais belo olhar
- há o amor. Em tudo existe; intenso no olhar, a exaltar-se em cada sussurro, em cada silêncio...
Este mesmo silêncio que nos faz a ausência da presença perceber, e a esta presença docemente – e, no entanto com desmedida veemência – desejar; um singular silêncio, qual o podem compreender apenas os amantes.


{...}


O amor, o que é?
- Sentir-se livre mesmo a estar-se preso; sentir-se preso mesmo se livre...
É ter asas, e as usar para muito distante, além, para além de a realidade voar...
- E, contudo tornar este imaginar a realidade mais verdadeira.
Sentir em conjunto; doar-se, entregar-se de corpo e alma;
Ser a razão primária de todo o sentimento: dos mais nobres aos menos. E, qual é o sentimento não nobre quando se há amor? Nenhum! Pois até mesmo a tristeza pinta-se de diferentes cores, e não mais de apenas preto e cinza – esta adquire tonalidades diversas, infindas. Sentir-se triste é amar, quando a ansiedade é o mais puro e singelo anseio de se estar com a pessoa amada.
O amor é ser abraçado e desejar jamais se libertar destes braços; mais que isto, é sentir abraçada a própria alma - enlaçada pela alma de outrem, do bem-amado ou da bem-amada.

Infindas páginas sobre o amor escrever poder-se-ia, mas ruge com sua própria voz; ele, por si só, existe e subsiste; é, essencialmente, a essência de si e de as cousas todas.


{...}

Diálogo entre razão e emoção

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Quando se desdobra o horizonte em negros tons, vez por outra sendo o firmamento entrecortado por estrelas cadentes, e o negrume da noite envolve a tudo em seu obscuro manto de impenetráveis mistérios; quando corujas permitem-se ver e observam, com seus grandes olhos amarelos, como os “espectros fixos”, as pessoas passarem pela erma rua próxima ao cemitério – e, vendo-as, fazem como se falassem uma à outra em sua linguagem apenas a si mesmas concebível; quando os lobos saem à caça, junto aos demais animais noctívagos – e, encontrando sua presa, destroem-na materialmente e a devoram; quando a noite, enfim, grita com todo seu furor, e eu estou enclausurado neste quarto pouco iluminado, a apreciar o som de uma boa música e sentir o agradável perfume de jasmins de incensos provindo – embora estas propriedades sejam qualidades razoáveis de uma boa noite, o meu íntimo hermeticamente encerra-se. Pego-me, num momento ímpar, introspecto: minh’alma fala-me através dos silêncios. Ela traduz-me o que, em vão, tento compreender de meu coração. Sua metafísica é surpreendente.

Indaga a razão: amar?
Ao que responde o coração, ferozmente: amar, sim! Amar para além de todo o sentimento, do próprio sentir e além de ti mesma, logos.

“Não sejas tolo, pobre sentimental! Sem mim tu podes ser tanto como uma pequena órfã ao mundo abandonada, quanto um abastado cego e vil; mais que isto, tu podes destruir-se.”

“E, no entanto, sem mim, tu não passas de frialdade. Teu existir pode ser belo, ao mesmo tempo que pode ser a razão da decadência: percebes? Tu és antagônica: podes ser o motivo de teu próprio declínio. Mal me entendes, porém. Somos forças complementares, necessárias uma a outra. Sem ti, sou o que disseste. Sem mim, és o que disse. Se unirmo-nos, então desta união nascerá o mais singular, puro e verdadeiro amor.”