Memories

"Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido."

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“Minha alma possui o imaterial peso da solidão no meio de outros.”
Clarice Lispector.




Quando desperto, procuro num só lugar a necessária força para abrir os olhos: na brandura do teu olhar.
Se estiver triste, um único gesto pode transportar-me para os infinitos reinos da serenidade: os teus lábios a esboçarem aquele sorriso que me desmancha todo...
Se me sentir contente, quero compartilhar toda a minha alegria contigo, mesmo sabendo que tu és a razão de eu estar assim, e tu possivelmente o sabes.

Observando pela janela, vejo as árvores a dançarem lentamente lânguida valsa. O vento passa devagar – e, ao passar, abraça a todas as criaturas; com ele de tão longe me chega a tua doce voz, um cântico celeste vindo do mais alto paraíso: em verdade, o paraíso é-me inexistente em sua forma pré-concebida pelo Cristianismo ou algumas outras crenças, mas, devo dizer, tu não podes habitar outro lugar senão um reino do mais puro amor, onde nenhuma criatura de má fé possa existir ou coexistir. Quando tu sorris, fitas-me com aquele olhar meigo, ou até mesmo quando simplesmente caminhas – belíssima harmonia de movimentos! -, o meu coração pára de bater, a minh’alma rende-se à tua. Medusa, Delilah! Seduzes-me de forma quase inacreditável, inconcebível ao entendimento de uma mente meramente humana. És tão adorável... Por que, contudo, tens de estar aí, do outro lado da realidade - onde os sonhos predominam? Como posso ultrapassar esta imaterial barreira, o limite destes dois extremos? Como poderei lhe tocar? Penso, às vezes, que não és mais que quimera, uma utopia criada por mim, um subterfúgio – ah, adorável... – criado por minha mente inconsciente... Porém, no instante mesmo em que o faço, a verdade revela-se tão clara e palpável, posso até sentir o teu cheiro... O aroma de flores exóticas ainda desconhecidas. E o teu charme, o charme dos teus lábios quando, em harmonia com os teus olhos, desenham o mais belo sorriso – sim, eu amo o teu sorriso – que já vi em todo o mundo, ah, esta qualidade que tanto me atrai e por qual já dediquei centenas e centenas de versos de amor?

“Enquanto a chuva molha meu rosto, ela esconde a minha lágrima que insiste em encontrar o chão”... Tanto amor, tanto querer e não te poder ter... Camões, eu agora sinto a dor dos teus versos!

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“Hoje pensei tanto em nós dois
Que não podia deixar pra depois...
E eu vim aqui só pra dizer
Que eu sou louco por ti...”

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Em uma tarde nublada, sentado debaixo da copa da árvore onde gosta de ficar a ler as poesias dos seus escritores mais queridos, árvore esta que fica ao lado de um enorme e profundo lago, ele, desta vez a apenas refletir com os olhos fitos no distante horizonte – belíssima paisagem de árvores e montanhas encobertas de neve resplandeciam ante sua visão -, percebeu, espantado, a imagem da moça dos seus mais doces delírios refletida nas águas do lago. Por detrás dela, via refletidas apenas as nuvens prontas a despejarem suas lágrimas na terra. Ela sorria-lhe... E ele, como sempre - sempre! - sentia-se todo extasiado por conta deste singelo sorriso... Os seus sentidos não lhe pertenciam quando ela estava presente. Ele gostava disto, fazia-o se sentir verdadeiramente vivo: os seus pulmões, seu coração, sua mente, sua alma era preenchida com a forma de vida mais pura e delicada que possa existir.
Começara a chover. O vento agitava ferozmente as árvores: desta vez, a dança era mais ferina. Os animais recolhiam-se para suas tocas, a claridade do dia era monótona, a oscilar entre o estado de luz e treva; e ele, ah, pobre poeta apaixonado! Não podia deixar de observá-la... Estava agora mais próximo da beira do lago. Lágrimas escorriam de seus olhos... “Por que, Deus, por que eu não posso tê-la ao meu lado? Por que sou fadado a sofrer e amar alguém que eu jamais poderei ter?” Sentia uma dor muito profunda perpassar por todo seu ser, principalmente no coração.

Do outro lado, num momento, ela estendeu para ele as suas mãos. Ele, a deixar para trás todos os vestígios da existência que um dia tivera na Terra, estendera as suas para as dela: segurou-as. Caíra no lago, abraçou-a e, agora com lágrimas de alegria e um sorriso igualmente alegre, afundava cada vez mais no ventre do escuro lago... Para todo o sempre.

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O vento acaricia-me a face com seus gélidos dedos; eu sinto como se fosse o frio toque da morte que se espreita... Desejo que seja. Desde que ela partira para onde eu jamais poderei segui-la, os meus dias tornaram-se cinzentos como o céu – que, a propósito, parece estar a acompanhar o estado de minha alma: agitada, porém sem vida – nublada. Sim, não há melhor maneira de expressá-lo: a minh’alma está nublada, carregada de lágrimas – as tristes gotas da doce chuva -, de tempestades, barulho, agitação! Pois, no momento mesmo em que me pego desesperado por sua ausência, um grave silêncio e uma ancestral quietude abatem-se sobre mim, como se nada fosse mais que o próprio silêncio, o ouvir tão somente os batimentos do meu coração descompassado, e nada, nada mais. É nestes momentos que sinto uma forma de libertação aproximar-se sorrateiramente... O negro fantasma no qual se encerra tudo o que um dia fora possuidor da ardente chama da vida. E, afinal, o que a vida é senão uma vela acesa, cada vez menor, pronta a extinguir-se para sempre do mundo visual? Sou, por vezes, uma verdadeira incógnita: mas uma tão facilmente decifrável! No momento mesmo em que quero sentir pulsar em cada célula de meu corpo a vida, anseio sua fatal e mais contraditória percepção: a morte. Penso que eu exista nas entrelinhas de ambas... Mas, das duas a mais forte é a qual tem seu anjo mais próximo de mim, como esta obscura criatura que estende suas negras asas sobre todo meu corpo neste momento, imóvel, estática ao meu lado, com seus olhos – quais se assemelham a profundos lagos escuros em quais desejamos adentrar, mesmo sabendo da certeza da morte – horrendamente fitos em mim.

Memórias

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Se aos meus olhos fecho, sou logo para o imenso reino das lembranças transportado. Sinto roçar-me os lábios a névoa dos beijos d’amor outrora – tão apaixonadamente! – trocados. A simples lembrança de suas mãos a resvalarem por meu rosto causa-me o mais doce dos calafrios, uma indescritível sensação de ser elevado às alturas do mais sublime paraíso. Sua voz, qual em minha mente ecoa como o majestoso brado de um anjo, ah! a bucólica brandura de sua voz faz encherem-se de lágrimas os olhos meus. Nos pensamentos baila a imagem dos teus sorrisos, dos teus carinhosos olhares... Pelos deuses, haverá na existência de toda a história humana mais bela mulher do que esta?


Se bem que, a bem ponderar, sua perfeição parece ultrapassar a qualquer tola delimitação humana... Sua beleza – e cá não se fala de efêmera matéria orgânica – faria o mais cobarde dos homens tornar-se um Hércules, e ao mais mefistofélico e cruel dos titãs derrotar sem qualquer vestígio de desistência: resistiria com a convicção do triunfo. Sim, ela representa a vitória contra os impropérios da própria vida – mas, mais que isto – infinitamente mais - -, ela representa a capacidade de amar incondicionalmente; diria, em verdade, que ela é o amor: em si encerram-se todas as conjugações do verbo amar, de todos os verbos. Princípio causal, o Caos... Geratriz da única verdadeira vida que eu pude, um dia - tão intensamente! –, sentir.