“O que sinto por ela é um escudo impenetrável, em qual o mal não poderá adentrar.
Sua presença é morna, me aquece inteiramente: meu coração agita-se, ledo...”
É noite. A Lua, de modo muito belo, reflete-se nas escuras águas do lago - é possível perceber até mesmo as nuvens de cor âmbar, devido à cor amarela meio cinzenta do astro noturno. Esquilos e animais da floresta retiram-se à suas tocas, enquanto outros - predadores notívagos - saem de suas. Corujas fazem-se ouvir, como em um coro das sombras. Uma névoa densa, quase impenetrável, espreita à beira das águas; sobe e chega próxima à esta velha choupana.
Minha amada está na cama, a descansar enquanto lê uma peça de Shakespeare. “Sonhos de uma noite de verão”. É inverno. Faz frio do lado de fora, e mesmo aqui dentro. Recostado em minha velha poltrona de madeira coberta por um forro macio, na sala de estar, próximo a lareira acesa, ao som de uma deliciosa melodia de Tchaikovsky, eu leio um fabuloso clássico do sobrenatural. Chama-se: “Schalken, o pintor”, de Joseph Sheridan Le Fanu. O autor escrevera-o majestosamente. O conto envolve-me de uma forma tal que não posso parar de o ler.
(...)
Passado algum tempo que estive a ler, minha adorada vem até mim, e diz, sua voz tão suave quanto as canções dos silfos: “Querido, vamos deitarmo-nos? Está tarde. Ou deverei dizer cedo?...” Eu fico a observá-la, vidrado, fascinado pelo modo como, a cada vez que a vejo, ela parece estar ainda mais bela, ainda mais apaixonante. Seu exterior, a matéria de qual todos os homens são feitos, parece ser um espelho impenetrável de sua alma. Sinto-me um homem fadado a ser eternamente feliz. Reis, é certo, moveriam guerras por esta única diva inspiradora, portadora de sem igual beleza.
“Querido, estás bem?”, interroga-me ela, achando estranho o modo como a observo, quieto. “Oh, sim, estou bem. Estava a divagar, apenas... Tu sabes o quanto eu lhe amo?” Mas como poderia ela saber? Ser nenhum, de dimensão ou universo, paralelo ou não, poderia. “Que pergunta esquisita, é claro que sim. Sempre mo dizes, sabes... Tu amas-me assim como eu te amo: para além das eras infindáveis. Nosso amor atravessa todas e quaisquer barreiras que poderão haver, e até mesmo as que ainda não existem. Somos amantes eternos, e na eternidade, como tal, habitaremos, juntos.”
Com os olhos rasos de lágrimas, quase imperceptíveis porém existentes, eu levanto-me suavemente. Pego-a pelas mãos, e, a olhá-la nos olhos, digo: “Eu te amo... Simplesmente.” E ela responde-me com um afago nos meus cabelos soltos e bagunçados. Quando toca minha pele, sinto “uma insustentável leveza do ser”, como se fosse transportado para o alto dos montes mais elevados, e estivesse próximo ao céu e as estrelas. Meigamente, aproximo meu rosto do seu. Beijo-a. Oh! Como são doces os seus beijos. Mel nenhum poder-se-ia à eles comparar. Seus lábios são lascivos, e ao mesmo tempo virtuosos... Beijá-la é adentrar ao paraíso sem sequer mover-se. Em seguida, abraçamo-nos. Ficamos abraçados por um tempo que nos é sempre a perpetuidade. Sinto o calor de seu corpo junto ao meu. Como é maravilhoso poder amá-la!
Ao sustentá-la em meus braços, caminho até nosso quarto, onde a ponho, carinhosamente, deitada na cama. Retorno em passos síncronos até as velas do outro lado do quarto, e, logo após, abro a janela, com a cortina a barrar a brisa gélida. Depois, caminho de volta para a cama, lentamente. Deito-me à seu lado. Observamo-nos à altura dos olhos. E ambos nós deixamos perceptíveis lágrimas derramarem-se-lhes. Eu a abraço; ela me abraça também. Beijo-a uma vez mais, enquanto deslizo brandamente minha mão por seu ombro. Deste momento adiante, iremos nos tornar uma só alma em corpos entrelaçados; expressão única do mais puro amor.