Memories

"Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido."

Published by 「ϻȝƚɋɣαɦȡ 」 under on 11:23:00

É uma noite chuvosa. Sinto-me enclausurado dentro desta alcova escura - há apenas uma pouca iluminação emanescente de velas acesas nos candelabros. Papiros amassados, tinteiros, nanquim derramado ao chão de pedras rústicas constituem a desordem deste quarto: este possui a qualidade do mais simples, porém profundo, caos. Uma certa agitação, quase que vulgar, apossa-se de mim como um demônio a apossar-se d'uma humana alma em farrapos. Apesar de trivial, esta agitação incomoda-me piegas. Há em mim o sentir de uma indizível angústia.

Estou à janela, observando a chuva incessante na lamuriosa tristeza dos céus, e a ouvir do trovoar a imponente voz. Clarões de luz - raios - lançam-se desesperadamente ao solo enlameado, como se quisessem adentrar, esconder-se, tornar-se uno com a terra molhada - um dos princípios cabais. Como a criação de um anjo à feição do homem: da argila e luz será feito, modelado pela força da tempestade... Deixando ao lado os devaneios, percebo que este meu sentir, não mais raro em mim - ao contrário: tornou-se de uma freqüência tal que me muito surpreende -, dilata-se, se faz deveras maior. Está fraca a minh'alma: envolve-me inteiramenta a ancestral angústia. Chora em lágrimas de cor escarlate o coração meu. Pesa-me sobre a carcaça - invólucro que à verdadeira e pura essência reveste - o entendimento, ou seu oposto, de muitas coisas. Conhecer-se à si mesmo, meu querido Sócrates, pode ser o princípio causal de lançar-se em direção ao indefinido, não é mesmo, Nietzsche? Estas duas máximas descrevem-me com magnífica exatidão neste momento. E é num momento de repentina consciência que percebo ter-me lançado ao desconhecido.

[...]

Estou maltrapilho com minhas roupas rasgadas, a caminhar com meus pés descalços; os longos cabelos negros soltos, desgrenhados, dançam conforme o vento; meus olhos estão vidrados em direção à lua, escondida esta por detrás de densa camada de nuvens derretidas. Do lado de fora da casa, caminho sem saber aonde ir, qual orientação seguir - e os caminhos são apenas dois, escolha árdua para uma alma como a minha, nesse momento, está: de um lado, vê-se coisas belas escondendo dentro de si o mal; d'outro, coisas horrendas, realmente medonhas, no entanto com natureza essencial mais bela que a visão dos olhos externos pode perceber. É como o meu devaneio de há minutos atrás: um anjo de luz disfarçado pela escuridão e pútrida camada de lama. Bem, quê importa? Está em estado terminal a vida minha. Sinto-a findar-se. Quero, em verdade, que se finde. Embora pouco perceptível a quem pudesse observar-me, aquela mesma angústia misturou-se à um desespero indescrítivel.

[...]

Caem-me sobre os olhos abertos grossos pingos de chuva, machucando-os. Com um grito, desfaleço. Caio ao chão em poças de lama. Envolve-me a água suja. Os pensamentos meus, agora, voltam-se para um passado não muito longínqüo, embora pareça datado de há séculos, éons... em qual pude ser eu mesmo sem importar-me - eu era, como jamais poderei tornar a dizer que sou, jovem e alegre. Batia-me à porta do coração, o tempo inteiro na infinita continuidade deste, a felicidade. Lágrimas com gosto de ferrugem começam a escorrer de meus olhos lastimosos, e eu, num impasse ímpar, impensado - ou feito por meu inconsciente sombrio -, cravo profundamente minhas grandes unhas na carne de minha perna. É um doloroso sentimento de prazer e libertação. Finco-as inda mais. O sangue vertente escorre, até se juntar à lama. E esta adquire a qualidade de cor rubra, em qual, refletido, posso ver-me a outra face: o que vejo, ao mesmo tempo em que assombra-me e me faz quase desmaiar, causa em mim a sensibilidade de que não estou - e jamais estarei só.

2 ϻĭņđʼƨ:

Ana disse... @ 19 de junho de 2008 às 19:00

(também não aceite ;))

oh, amor. sei que não é bom pensar daquela forma, mas é meu natural sistema de defesa, afinal @_@'
ser sensível ou humano, na maioria deas vezes, não termina bem. mas sabe, não é como se conseguíssemos controlar o que sentimos ou coisa do gênero.

sentiu através do texto "um pouco de um sentimento.. (...)"..?
e bem, bem nãoestou completamente XD, mas é como está escrito: estou acostumada.

te amo mais.

Fernanda Vivacqua disse... @ 20 de junho de 2008 às 22:27

Meu Deus,você escreve muitíssimo bem;fico até com vergonha dos meus textos.:~
E,engraçado,como normalmente é tenue a linha entre o eu-poético e o escritor por trás das palavras.
(: Boa semana,Will.

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